sábado, 30 de julho de 2016

16 - Um novo céu cheio de estrelas



Saudades, como bem se sabe, vêm em todos os tipos e tamanhos. Do maior monumento aos grãos de poeira de sonho, do majestoso ao trivial, da óbvia à mais obscura - todas elas com seu jeitinho especial de cutucar a alma. Há saudades muito cantadas e esperadas, como são aquelas sobre as quais já escrevi: família, os queridos que já se foram, os lugares amados da infância - mas hoje quero falar de uma saudade que não é só singela, mas me pegou completamente de surpresa quando passei meio ano fora de casa: saudade do céu e das estrelas.

Mas o que tenho eu, nascida e criada em cidade grande, a fazer com esses pontos luminosos no céu, facilmente obscurecidos pelo luar ou pela eletricidade? Um pequeno detalhe em um mundo de detalhes práticos, de afetos e ausências, delícias e deveres. De tantas coisas que poderia sentir falta - de pão de queijo, da minha mãe, da minha língua materna, do conforto dos padrões de socialização mais calorosos que eu conheço - a primeira coisa aleatória a encher meus olhos de lágrimas foi olhar para cima e não reconhecer as estrelas.

Parece ridículo sentir saudades de gigantescas esferas luminosas - mas como sempre, é mais do que isso. É o cruzeiro do sul, que fui ensinada a apontar no céu desde pequena, igual ao curioso padrão de pintas que tenho no antebraço esquerdo. São as três Marias (que Marias, mãe? Elas têm nomes diferentes, tipo Maria Clara e Maria Paula? Por que são três?), enfileiradas, que também são o cinturão de Órion, o grande guerreiro.  É Escorpião, com sua cauda recurvada, que foge toda vez que o arqueiro, Sagitário, entra no céu.  É Vênus, que não é estrela, mas ainda sim é chamado da Estrela D’Alva, lembrando a música do Noel Rosa que meu pai cantava muito quando eu era pequena:

A estrela D’Alva no céu desponta

E a lua anda tonta com tamanho esplendor
E as pastorinhas, pra consolo da lua
Vão cantando na rua lindos versos de amor.





É andar à noite no meio do mato pra ficar longe de toda luz e vê-las se multiplicarem, as mais tímidas e singelas aparecendo no céu também, é o caminhar lento do universo, quase imutável para nossas curtas vidas humanas, risíveis em comparação ao tempo de nascimento e morte do Universo… É simplesmente alguma coisa que sempre estava lá, semi-familiar, semi-misteriosa.

Memórias luminosas viajando através do tempo e do espaço, as enormidades e os mistérios do universo cuidadosamente contidas em histórias contadas por seres humanos há milênios, reproduzindo suas fantasias e projetando seu mundo familiar no céu. Diante da imensidão e do absurdo, enchemos as estrelas de nossas histórias, com sentidos vagos, mas poderosos.

E de repente olhar para cima e ver tudo embaralhado, formações novas, céus novos - até a lua cresce e decresce ao contrário. Por um lado, é como se tivessem me tirado uma manta com a qual eu durmo desde a infância, um cobertor celeste e antigo que já não me cobre mais…


Mas esse novo céu, essas estrelas novas também são um convite à aventura. Aprender novas constelações, contar novas histórias pelo céu, e talvez, com muita sorte e muito frio, vê-lo rachar e dançar em cores fantásticas. Me aguarde, céu do Norte, que logo vem mais uma sonhadora para se perder olhando estrelas.

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